quarta-feira, 28 de abril de 2010

sonho

(Charles E. Burchfield)



 
se no corpo pesado do tempo
tu reencontrasses a veia
que o meu sangue desenha,
viajaríamos por certo
em planícies de camélias azuis
e pássaros verdes

percorremos juntos jardins assombrados
escondemos o calor rubro
das nossas bocas e dos nossos corações
em ciprestes carcomidos e ulcerados

mas no grande rio comprido
que nos dias calmos contemplamos
voga por vezes uma pétala branca
e um botão sonolento
tranquilo da rosa por abrir



quarta-feira, 21 de abril de 2010

o vulcão da Islândia

(dn.pt)




esplêndido e indiferente
o vulcão da Islândia
derrama a lava ardente
e incandescente
sobre os incautos e soberbos
glaciares azuis

impúdica a bocarra negra
jorra em jactos
línguas de fogo
em descomposta e pornográfica
postura

ardendo correm
as gélidas águas
sobre o leito maternal
da terra

e fálicos os fumos
penetram fundo
os abertos e libertinos
espaços siderais




sábado, 17 de abril de 2010

Conversas com Lewis Carroll [VII]



e da Escola do Mar,
onde ouviu falar?
quantas lições por dia
tinham lá lugar?
dez no primeiro dia
do ano, suspeito
nove no segundo
e assim por diante
e os sumários
que bela invenção
porque de dia para dia
eram mais sumárias
as aulas, pois então
e as disciplinas
que desvario que sensação
a Histeria Antiga e Moderna
o Despenho o Destroço
a Tintura a Carvão
e as operações da Aritmética
a Ambição a Distracção
a Nulificação e a Decisão
e para manter a tradição
a Música o Francês
a Lavagem da Roupa
e um curso ordinário
de Porte e Postura

que grande programa
o senhor inventou
por ano dez dias
de escola e bastou





sexta-feira, 16 de abril de 2010

Conversas com Lewis Carroll [VI]



Oh, é o amor, é o amor,
que faz girar o mundo!
esta é uma máxima da Duquesa
ou um verso de Shakespeare
ou de Camões
ou um pensamento de Galileu
ou de Copérnico
ou mesmo de Carl Sagan



quinta-feira, 15 de abril de 2010

Conversas com Lewis Carroll [V]



o senhor, Lewis Carroll, sabia
que os reis e as rainhas
caiem todos
como baralhos de cartas

- Cortem-lhe a cabeça!
- Cortem-lhes as cabeças!
as ordens das rainhas e dos reis
de copas de paus de ouros de espadas
são sempre ordens de cartão
e os seus lacaios
fiéis ou não
não passam de carrascos
de papelão



quarta-feira, 14 de abril de 2010

Conversas com Lewis Carroll [IV]



Porque é que o chapeleiro louco
faz perguntas loucas?
Porque é que um corvo
se parece com uma secretária?
Porque é que o corvo é negro
e anuncia a morte?
Porque é que uma secretária preta
lembra sempre um antepassado morto?
Edgar Allan Poe escreveu «O Corvo»
sobre uma secretária?
Acredito que o senhor, Lewis Carroll,
por vezes escondia a depressão
sobre uma secretária solitária.



terça-feira, 13 de abril de 2010

Conversas com Lewis Carroll [III]



aquele prodígio da sua terra natal,
senhor Lewis Carroll,
o gato de Cheshire
o gato que ri
parecia à menina Alice
a coisa mais estranha
que já vira na vida
mas todas as coisas da vida
são estranhas
quando as vemos pela primeira vez

que importa ao sorriso
que o gato desapareça
é o sorriso é o sorriso
que sempre deve ser a porta


domingo, 11 de abril de 2010

Conversas com Lewis Carroll [II]





sabe, senhor Lewis Carroll,
aquela lânguida lagarta azul
a fumar um despreocupado cachimbo
de água
sobre um cogumelo aveludado
fala com palavras
de sábia pitonisa
e ensina à menina Alice
as regras de um crescimento equilibrado

e também o caminho para a beleza
e as maravilhas de um jardim desconhecido


Conversas com Lewis Carroll [I]



Cónego Lutwidge Dogson
professor de ciências matemáticas
ou Lewis Carroll
escritor de histórias maravilhosas
que ideia teve o senhor
de pôr a menina Alice
a crescer e a minguar
como se no lugar de braços
pernas e cabeça
a menina tivesse números
e o senhor se entretivesse
a inventar contas
de somar e de diminuir

as meninas podem ser formosas
mas seguras
já Camões dizia que não são
por isso, ainda bem que o senhor se lembrou
do cogumelo sempre ao seu dispor
assim a menina Alice podia sempre decidir
o tamanho que melhor ficasse em seu favor

quando as meninas podem decidir
e a seu bel-prazer crescer e diminuir
todas as operações de matemática
se transformam numa boa prática