quarta-feira, 30 de novembro de 2011

na Gulbenkian, California Dreaming

Jean-François Millet

cenário noturno
a folhagem verde das árvores
luminosas no jardim
prateada a chuva
pincela o quadro
cai uma folha outra outra
douradas estrelas cadentes
pássaros metálicos que passam lépidos

no palco a maestrina
negra águia
vibrante e ágil
dança frenética de um bater de asas
comanda o mundo
a orquestra
os exércitos de violinos violões violoncelos
flautas trombetas trombones
os sons concertados deste mundo
firmes agudos amestrados
por forças invisíveis
disparadas
da mágica frágil batuta
imparável
na mão da maestrina




segunda-feira, 26 de setembro de 2011

assustam-me as palavras




 assustam-me as palavras
dos loucos
que ouço nas ruas

são palavras de poemas
amachucados
em folhas rasgadas
dispersas   ao vento


quarta-feira, 14 de setembro de 2011

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

quantas histórias vão

Fotografia de Jamie Beck - Blog FROM ME TO YOU http://fromme-toyou.tumblr.com/


(em memória do Jorge)


quantas histórias vão
em cada homem que morre

e os que ouvem os sinos de rebate
nada sabem

sábado, 9 de julho de 2011

a criação

fotografia de Jamie Beck



a criação
é a última etapa
do amor

o altar
por cima de todos
os deuses

uma fidelidade
expurgada
das paixões impuras



terça-feira, 5 de julho de 2011

o amante ridículo

Fotografia de Jamie Beck



oh, o meu amante ridículo
o mais ridículo de todos os meus amantes

quiçá será ele
porque é o meu amante
e o meu ridículo
o salvador da grande humanidade


domingo, 19 de junho de 2011

no princípio de tudo


Jamie Brck mulher com globo terrestre
   ( Fotografia de Jamie Beck)


fiquei de súbito
no princípio de tudo
quando ia já velha e cansada
por caminhos gastos

o princípio é o lugar único
de onde não vejo o mundo
toco-o num beijo
bem no fundo


terça-feira, 31 de maio de 2011

Campo de Ourique. o bairro






um bairro que se mastiga às fatias
como um bolo morno
que a cozinheira bateu demoradamente
voluptuosamente

cafés esplanadas casas de comida
rostos mitigados
lassos âncorados
donos de um valor
um bairro traçado
a esquadro e transferidor
bairro quadriculado
onde casas de barro
multiplicam tons do amarelado



Campo de Ourique ecoa a vitória
de Afonso Henriques
Rei de Portugal
e de Santiago santo Matamouros
os sinos tocam
em Santo Condestável
e a poesia espreita
na Casa de Pessoa


no mercado há cores
de frutos e flores
e a prata dos peixes
e o ouro dos pregões
brilham no tesouro
com as pérolas louras
do colar da senhora
a Tentadora

                                        

e a Arte Nova
e a esfera armilar
e a República e a primeira granada
que aqui se fez soar
e a Maria da Fonte
que ergue a foice
e afasta os papões
porque as crianças 
brincam descuidadas
e os velhos no jardim
fazem jus ao jogo
e à hora das cartadas







quarta-feira, 25 de maio de 2011

estava frio




Jamie Beck
        Fotografia de Jamie Beck





estava frio
à nossa volta

e as palavras
que saíram em vertigem
ensurdeceram
os póros
e retiveram
os nossos corações


terça-feira, 24 de maio de 2011

em tardes assim





em tardes assim
de maios como este
olhávamos longamente a terra e o horizonte
separados por casas e ruas
mas ali, à mesma hora
aguardando o rubro desaparecimento do sol
avistando a silhueta desejada nos reflexos do poente
sentindo a paixão na distância das coisas e das cores

foi o tempo da adolescência
de tudo o que se não fez...


sábado, 21 de maio de 2011

o tomate



Jamie Beck 7
                                  Fotografia de Jamie Beck




adoro o tomate
o legume o vegetal
o vermelho húmido que arrepia
que extasia
no Paraíso Eva mordeu o tomate
e foi então
que viu Adão
e o amor lhe brotou rubro
vermelho no coração





sexta-feira, 20 de maio de 2011

o encanto



Brukutu_com-22 jamie beck 3
          Fotografia de Jamie Beck



o encanto
de saber ainda
encontrar as sensualidades
nos cantos contados
de uma cidade grande



sessão de poesia. sala vazia




sessão de poesia. sala vazia
cadeira a cadeira sala vazia
de negro coberto o piano negro
poetas estão poetas vêm poetas vão
estão computadores
jovens informáticos
fotógrafos estão
às cinco em ponto seria a sessão
cinco menos dez cinco menos cinco
eu não sou poeta
sento-me na sala
aguardo a sessão
estou no meio da sala
mas que faço eu que embaraço o meu
sessão de poesia
cadeira a cadeira a sala vazia
público não chega
vem mais um poeta
passou bem poeta
às cinco em ponto seria a sessão
passam cinco e cinco
e ainda mais cinco
estou no meio da sala da sala vazia
abriram as luzes abriram os olhos
dos poetas tantos
o público entra ou não entra não
brilham os cristais os cálices de absinto
quem virá brindar e comemorar
vêm mais fotógrafos
montam os tripés
no fundo da sala surge uma pessoa
e outra pessoa e outra pessoa
a tarde vai longa
começa a sessão
venha o absinto e a poesia
regar o serão





domingo, 24 de abril de 2011

a troika


(Henri Matisse)




a troika
troca as voltas
troika a três voltas
troca os passos
troika a três passos
dos dansarinos
bailarinos
filosofias do susto
do terror
NÃO!
a troika-papão
marioneta-papão
fecha a mão abre a mão
quem nos bastidores
tem engenho e arte
e puxa o cordão


sexta-feira, 22 de abril de 2011

a ti, Terra


(M. C. Escher)


eu teria que amar
a Terra

porque ela me delimita
e me reencontra
e me torna palpável
no espaço vazio


sábado, 16 de abril de 2011

Portugal, o meu país



oferece maçãs verdes pelas manhãs
Portugal, o meu país
tem carros elétricos de séculos passados
a subir lampeiros as altivas colinas de Lisboa
e lisboetas absortos enleados
olhando o rio azul e os longínquos barcos

Camões Pessoa Eugénio de Andrade Sophia
são poetas do meu país
e a ousadia o sonho o génio
são virtudes grandiosas
do povo de Portugal, o meu país

a juventude a festa o 25 de abril
erguem alto nas ruas o vermelho dos cravos
e a revolução a alegria a música
vivem ainda no ânimo e nas mãos
de Portugal, o meu país


sexta-feira, 15 de abril de 2011

o amor o que é?


(Marc Chagall)




(lembrando o poeta José Gomes Ferreira)

o amor o que é?
a força que puxa
o outro do abismo
e salva o que puxa
e o outro
que puxado   vem



quinta-feira, 17 de março de 2011

menina do Japão




´

 
 
chora chora chora, menina
menina do Japão
a noite que passou, o mundo acabou
acabou
os teus caprichos são fachos carpindo
a solidão
que a onda deixou


terça-feira, 15 de março de 2011

as terras lá do Japão



(publico.pt)


sem paixão
olhamos ensimesmados
as terras lá do Japão
como quartos de crianças
sótãos abandonados
sujos desarrumados
cheios de brinquedos quebrados
deixados amontoados
carrinhos barcos comboios
casinhas quintas jardins
bichinhos e bonequinhos

sem paixão
caminhamos nas imagens
das terras lá do Japão
como tristes vagabundos
dobrados rotos imundos
pejados de sacos lúridos
enlameados
sem esperança
de solidão vergastados

sem paixão
ressoamos as palavras
catástrofe radiações
nucleares explosões
hidrogénio reatores
Fukushima e Kawamata
ecos surdos
consternados
indiferentes resignados



terça-feira, 8 de março de 2011

o tempo, o feiticeiro


(Marc Chagall)



 

entre o destino
e o movimento de nós
a balança oscila
inquieta
sem confiança
na justiça do tempo,
o feiticeiro
do reino oculto
das águas



segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

o escorpião

(M. C. Escher)

o veneno é a infeção
o ardor nas veias
do sanguíneo fluxo

se o escorpião injeta
o pútrido micróbio
talvez seja a vacina
que o inimigo expecta
e em guerra
o escorpião o dejeta

essa semente maligna
que o escorpião enterra
é o excremento fértil
que floresce a terra



sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

meu amor, meu fruto

(Pierre Auguste Renoir)

(ao Pedro)

meu amor, meu fruto,
cheiras a mar
ao peixe
que deixa o suor vivo
nas praias

o fundo da tua boca
tem areias húmidas
onde o sol quente e seco
demorará a chegar


sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Praça Tahrir



(Suhaib Salem)



Praça Tahrir
centro do mundo
do mistério
olho mágico de Orus
chave da vida
que abrirá novos reinos
e esquecerá os mortos

na Praça Tahrir
Re, o deus sol
acendeu brilhante
a fogueira branca
da força e da esperança

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

rua da toranjeira perfumada


rua da toranjeira perfumada
onde o sol se encosta
amarelo e quente
e os gatos as mulheres os velhos pescadores
trespassados pelos raios apolíneos
vencidos de sonhos adiados
regurgitam ao sol
fervilhando o sangue
e as fímbrias gastas
dos pesares da vida

domingo, 30 de janeiro de 2011

intimidade

(Wassily Kandinsky)


recolhe-me no regaço terno
nada peças
deixa que entre em ti
a água imparável
de meus olhos líquidos
recebe a raíz das palavras
que corto de mim

são as entranhas da terra
que a tuas mãos levo

a ti o suor da alma confio




quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

caminho junto ao lago

(Armand Charnay)



caminho junto ao lago
por onde o sonho corre
julgando-se sonho

caminho traçado
no fundo das névoas
paciente e certo

essa coisa que prende
os olhos da alma
- ou do sexo
que o sexo é a alma -
essa coisa que voga
além da bruma
e a dizem sonho
é o caminho traçado
junto ao lago
à espera paciente
do passo marcado



domingo, 23 de janeiro de 2011

confusão

(M. C. Escher)



estou perdida numa rua confusa
ah, esta minha fatalidade de perder-me!
de repente, tudo me é estranho
vazio, um turbilhão à minha volta
eles entendem-se, eu não
faço como se entendesse
mas não, estou num deserto
e ao mesmo tempo em Nova Iorque
em Pequim, em Saigão
tenho só uma flor na mão
sei que dessa flor nasceu o mundo
para mim, essa flor tem o mundo todo lá dentro
mas os ventos passam por ela
deformam-na, estrangulam-na
e eu, eu aqui perdida nesta confusão
onde hei-de pôr esta flor perdida?
em que onda do meu cabelo?
em que linha tremida da minha mão?


sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Big Bang

(Nasa/ Reuters)



Big Bang e se fez as estrelas
Big Bang e se fez as luas
Big Bang e se fez a vida
Big Bang e se fez o amor
Big Bang e se fez o sexo
Big Bang e se fez o ódio
Big Bang e se fez a morte
meu Deus, Deus é o Big Bang!



sábado, 15 de janeiro de 2011

este tempo que me bate



este tempo que me bate
me enfraquece
me espalha as penas
me dói
por dentro a carne
por fora a pele

este tempo cinzento
em que a chuva cai
e ficam húmidas as casas
as pedras os lençóis

este tempo que ensopa
a terra úbere
e entristece
as desgrenhadas árvores
dos passeios

este tempo é de silêncio
sem paixão
este é o tempo
da salobra retenção





quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

é em ti que a poesia se define

(Wassily Kandinsky)




é em ti que a poesia se define
o meu rosto é baço
e sem luz
por isso te procuro
te saboreio
e a cada novo verso
que evaporas
quereria colar-te a minha boca
já humilde
já vazia
líquida só de ti
só de ti cheia

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Moscovo

(Wassily Kandinsky)



chovia em Moscovo
e as ruas escorriam
a tristeza e as lágrimas
dos olhos secos dos fantasmas

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

ruas de Leninegrado

(Wassily Kandinsky)





rufava a música
no reflexo dourado dos trompetes
palácios
e ruas de Leninegrado
o sol brilhava frio nas cúpulas metálicas

jazia rígida a cera
das figuras do passado

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

domingo, 2 de janeiro de 2011

noite de Madrid




gelava a festa
e o medo
na noite de Madrid


mudava-se o ano
e as bombas dos tempos
aterravam as papilas dos corpos


rosa, o fumo
libertava a música do sangue