terça-feira, 31 de maio de 2011

Campo de Ourique. o bairro






um bairro que se mastiga às fatias
como um bolo morno
que a cozinheira bateu demoradamente
voluptuosamente

cafés esplanadas casas de comida
rostos mitigados
lassos âncorados
donos de um valor
um bairro traçado
a esquadro e transferidor
bairro quadriculado
onde casas de barro
multiplicam tons do amarelado



Campo de Ourique ecoa a vitória
de Afonso Henriques
Rei de Portugal
e de Santiago santo Matamouros
os sinos tocam
em Santo Condestável
e a poesia espreita
na Casa de Pessoa


no mercado há cores
de frutos e flores
e a prata dos peixes
e o ouro dos pregões
brilham no tesouro
com as pérolas louras
do colar da senhora
a Tentadora

                                        

e a Arte Nova
e a esfera armilar
e a República e a primeira granada
que aqui se fez soar
e a Maria da Fonte
que ergue a foice
e afasta os papões
porque as crianças 
brincam descuidadas
e os velhos no jardim
fazem jus ao jogo
e à hora das cartadas







quarta-feira, 25 de maio de 2011

estava frio




Jamie Beck
        Fotografia de Jamie Beck





estava frio
à nossa volta

e as palavras
que saíram em vertigem
ensurdeceram
os póros
e retiveram
os nossos corações


terça-feira, 24 de maio de 2011

em tardes assim





em tardes assim
de maios como este
olhávamos longamente a terra e o horizonte
separados por casas e ruas
mas ali, à mesma hora
aguardando o rubro desaparecimento do sol
avistando a silhueta desejada nos reflexos do poente
sentindo a paixão na distância das coisas e das cores

foi o tempo da adolescência
de tudo o que se não fez...


sábado, 21 de maio de 2011

o tomate



Jamie Beck 7
                                  Fotografia de Jamie Beck




adoro o tomate
o legume o vegetal
o vermelho húmido que arrepia
que extasia
no Paraíso Eva mordeu o tomate
e foi então
que viu Adão
e o amor lhe brotou rubro
vermelho no coração





sexta-feira, 20 de maio de 2011

o encanto



Brukutu_com-22 jamie beck 3
          Fotografia de Jamie Beck



o encanto
de saber ainda
encontrar as sensualidades
nos cantos contados
de uma cidade grande



sessão de poesia. sala vazia




sessão de poesia. sala vazia
cadeira a cadeira sala vazia
de negro coberto o piano negro
poetas estão poetas vêm poetas vão
estão computadores
jovens informáticos
fotógrafos estão
às cinco em ponto seria a sessão
cinco menos dez cinco menos cinco
eu não sou poeta
sento-me na sala
aguardo a sessão
estou no meio da sala
mas que faço eu que embaraço o meu
sessão de poesia
cadeira a cadeira a sala vazia
público não chega
vem mais um poeta
passou bem poeta
às cinco em ponto seria a sessão
passam cinco e cinco
e ainda mais cinco
estou no meio da sala da sala vazia
abriram as luzes abriram os olhos
dos poetas tantos
o público entra ou não entra não
brilham os cristais os cálices de absinto
quem virá brindar e comemorar
vêm mais fotógrafos
montam os tripés
no fundo da sala surge uma pessoa
e outra pessoa e outra pessoa
a tarde vai longa
começa a sessão
venha o absinto e a poesia
regar o serão