domingo, 30 de janeiro de 2011

intimidade

(Wassily Kandinsky)


recolhe-me no regaço terno
nada peças
deixa que entre em ti
a água imparável
de meus olhos líquidos
recebe a raíz das palavras
que corto de mim

são as entranhas da terra
que a tuas mãos levo

a ti o suor da alma confio




quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

caminho junto ao lago

(Armand Charnay)



caminho junto ao lago
por onde o sonho corre
julgando-se sonho

caminho traçado
no fundo das névoas
paciente e certo

essa coisa que prende
os olhos da alma
- ou do sexo
que o sexo é a alma -
essa coisa que voga
além da bruma
e a dizem sonho
é o caminho traçado
junto ao lago
à espera paciente
do passo marcado



domingo, 23 de janeiro de 2011

confusão

(M. C. Escher)



estou perdida numa rua confusa
ah, esta minha fatalidade de perder-me!
de repente, tudo me é estranho
vazio, um turbilhão à minha volta
eles entendem-se, eu não
faço como se entendesse
mas não, estou num deserto
e ao mesmo tempo em Nova Iorque
em Pequim, em Saigão
tenho só uma flor na mão
sei que dessa flor nasceu o mundo
para mim, essa flor tem o mundo todo lá dentro
mas os ventos passam por ela
deformam-na, estrangulam-na
e eu, eu aqui perdida nesta confusão
onde hei-de pôr esta flor perdida?
em que onda do meu cabelo?
em que linha tremida da minha mão?


sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Big Bang

(Nasa/ Reuters)



Big Bang e se fez as estrelas
Big Bang e se fez as luas
Big Bang e se fez a vida
Big Bang e se fez o amor
Big Bang e se fez o sexo
Big Bang e se fez o ódio
Big Bang e se fez a morte
meu Deus, Deus é o Big Bang!



sábado, 15 de janeiro de 2011

este tempo que me bate



este tempo que me bate
me enfraquece
me espalha as penas
me dói
por dentro a carne
por fora a pele

este tempo cinzento
em que a chuva cai
e ficam húmidas as casas
as pedras os lençóis

este tempo que ensopa
a terra úbere
e entristece
as desgrenhadas árvores
dos passeios

este tempo é de silêncio
sem paixão
este é o tempo
da salobra retenção





quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

é em ti que a poesia se define

(Wassily Kandinsky)




é em ti que a poesia se define
o meu rosto é baço
e sem luz
por isso te procuro
te saboreio
e a cada novo verso
que evaporas
quereria colar-te a minha boca
já humilde
já vazia
líquida só de ti
só de ti cheia

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Moscovo

(Wassily Kandinsky)



chovia em Moscovo
e as ruas escorriam
a tristeza e as lágrimas
dos olhos secos dos fantasmas

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

ruas de Leninegrado

(Wassily Kandinsky)





rufava a música
no reflexo dourado dos trompetes
palácios
e ruas de Leninegrado
o sol brilhava frio nas cúpulas metálicas

jazia rígida a cera
das figuras do passado

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

domingo, 2 de janeiro de 2011

noite de Madrid




gelava a festa
e o medo
na noite de Madrid


mudava-se o ano
e as bombas dos tempos
aterravam as papilas dos corpos


rosa, o fumo
libertava a música do sangue