hoje não gosto do Tejo
tem manchas escuras
e outras falsamente prateadas
e eu não vou, e ainda bem
no barco indeciso e solitário
de vela encrespada e ar enojado
um vento sujo leva-me
arrepiados os cabelos
uma poeira cortante
cobre-me os encolhidos póros
e eu sinto só a minha pele terrosa
e vejo, quase não vejo
papéis tresmalhados rasgados
de vidas ausentes
derramadas
no lixo que corre no Tejo
hoje não gosto do Tejo
nem mesmo quero olhá-lo desta margem cinzenta
onde morcegos assustam gaivotas
morcegos-gente que os corvos sugaram
e lançaram ali
à espera da tarde que passe
e da noite que não chegue
gente que não olha o Tejo
nunca olhou o Tejo
só espera
com os corpos em talas
e os corações em gaiolas
hoje não gosto do Tejo
quero ir-me embora
no meu quarto já não vejo o Tejo
nem gente guardada
em faixas paralelas
tão perto e tão longe do Tejo
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