Ancorados no pântano, os barcos inclinam pinceladas brancas na tela negra. Enrolada sobre o muro, a mulher sossega os olhos negros no reclinar das imagens.
A trágica ambiguidade da existência, a angústia do não-entendimento, da não-compreensão, encontra o reflexo no brilho traiçoeiro do lodo repelente.
O cigarro consome-se sofregamente. Sempre a solidão é atenta, contemplativa e sôfrega. E todo o imbecil encontra os rotineiros pretextos da intromissão.
Um homem rápido dirige-se à mulher. Finge os movimentos de descontracção. «Tem lume, por favor?», parado olha a mulher.
Alguns segundos moldam a estátua do tempo. A mulher comprime-se. Desenha no rosto o ódio pela aproximação. Decide-se. O lume do cigarro traça uma recta na noite negra. A mão do homem agarra-lhe o cigarro e deles se juntam incandescentes as bocas, as bocas dos cigarros.
«Obrigado!». Um último olhar do homem fixa a mulher. Volta o corpo obrigatoriamente e, compassado, dirige o andar vergado para a viatura.
A mulher retoma o fumo do cigarro, a longa respiração do dragão, a ponte do olhar fixada nos barcos âncorados no pântano.
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